By Leo Peifer on 6/06/2007 01:06:00 PM
Ludibriarte (parte 1)


Se tivéssemos uma verdadeira vida não teríamos necessidade de arte. A arte começa precisamente onde cessa a vida real, onde não há mais nada à nossa frente. Será que a arte não é mais do que uma confissão da nossa impotência?
Richard Wagner

Ninguém alguma vez escreveu ou pintou, esculpiu, modelou, construiu ou inventou senão para sair do inferno
Antonin Artaud


Não há, na arte, nem passado nem futuro. A arte que não estiver no presente jamais será arte
Pablo Picasso


Sei que muita gente de peso já se debruçou sobre o assunto, tanta que seria capaz de ceder o terreno de onde o vislumbraram. Mas não me ponho na altiva posição de discuti-lo, ensejo humildemente compartilhá-lo, quem sabe iluminar – à minha reles pessoa, que seja – algumas percepções à sua cerca.

Por vezes, fazer arte me soa como revelar-me um emissário da confusão e desinformação. Não que eu julgue a arte uma detratora em si, mas é que hoje, neste momento, ela me exala um odor tão sintético e deslumbrado, que me faz pensar sobre a relevância real de exercê-la.

Funciona mais ou menos assim: enquanto ao público fazemos crer que habitam nosso jardim existencial os sonhos, a esperança e entidades materiais a conotar outros significados (espinhos, pétalas, céu e cidade), revela-se no domínio do tato o que da existência realmente há: o mendigo a quem neguei o direito à minha atenção e a irrefutável constatação de ser ele meu igual; o trânsito infernal; o raso do entendimento das pessoas sobre tudo, sua vomição oriunda dos comentários da imprensa acéfala. Digo também da frieza com que deslizo meus olhos dos das pessoas de meu cotidiano, temendo um dia encará-las e encarar cadáveres teleguiados, ou, pior, descobrir-lhes traços de humanidade com os quais minha superficialidade não deseja lidar.

Em que momento os exaustivamente ensaiados acordes serviram para modificar a realidade? Qual o exato momento em que a emissão vocal mais sincera de que fui capaz serviu para reconciliar aquela família cujos membros se desentenderam e já não se falam?; em que medida a contagem perfeita de compassos coincidiu com a do miserável no cuidado de seus centavos amealhados à custa da pouca vergonha peremptoriamente desenvolvida pelo instinto de sobrevivência?; de que modo nosso batuque mais sagrado foi capaz de sensibilizar o nobilíssimo senador a não profanar o Tesouro Público?; por que a cadência do acordeom não foi capaz de ninar o órfão indesejado, prestes a arrebatar da incauta aposentada sua insignificante recém-obtida pensão há anos aguardada?; pôde nosso pedal vocal frear a bala perdida num corpo encontrado? Enquanto celebrávamos o rito da vida, quantos a abreviar a sua própria?

A todas as perguntas, uma frígida negativa. Enquanto cantávamos a despoluição do mar, algum cardume decerto fenecia na podridão da Lagoa; enquanto trazíamos riquezas gratuitas e imateriais pelas estradas de Ipatinga, vasto material de riqueza escoava pelos trilhos insones rumo ao acúmulo privado.

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