Eu queria fazer música, não terapia. Ao longo de três anos de exercícios de consciência corporal, entretanto, você percebe o holismo do sistema. Não adianta entoar em palco uma música feliz se você está derrotado. Sua voz e seu corpo desmentem.
Disse tudo isso porque São João del-Rey recebe quinta-feira essa primazia de espetáculo concebido pela Titane e João das Neves, cada vez mais afinados, em apresentação única. Além da retomada de músicas de sua carreira, Titane expõe aos espectadores um trabalho consistente de reunião, em grandes grupos, de canto, dança, percussão e teatro, amparados sempre pelas técnicas de consciência corporal.
Sua primeira experiência em aliar todos esses elementos foi conosco - a Rosa dos Ventos. Ao perceber a viabilidade técnica desses procedimentos e a existência de demanda de interessados de várias áreas da sociedade (artistas em formação, professores, arte-educadores, atores, entre outros), Titane passou a difundir o resultado dessas experimentações em oficinas em Belo Horizonte e no interior, obtendo grande aprovação. Os participantes são unânimes em declarar os benefícios adquiridos, principalmente, pela aliança entre canto e preparação corporal.
Em contato com essas técnicas e exercícios há quase três anos, como estamos, não só nosso corpo passa a rejeitar antigos padrões físicos agressivos e compensações que decantamos com o deslizar dos anos, como podemos dizer que a parte mental também é atingida pela mudança postural.
Segundo Irene Ziviani, terapeuta corporal, o corpo denota em sua postura aquilo que pensamos de nós mesmos. Assim, uma pessoa introvertida, por exemplo, não terá a mesma envergadura de outra que demonstre a característica oposta. Essas pequenas "agressões" que todos impomos ao nosso corpo - e que podem, posteriormente, gerar problemas de articulações, musculares e ósseas - podem ser revertidas a tempo pela consciência corporal.
Relacionada à arte, ocorre que a mudança de comportamento físico modifique também o padrão de emissão vocal. "Atualmente minha voz está pequena, sem a extensão de graves e agudos que eu tinha em outros anos". Embora Titane, autora da fala e quem segue a técnica há diversos anos, pareça contradizer os benefícios da consciência corporal, a realidade aponta que ao trazer seu corpo para tônus correto e menos agressivo fez seu trajeto vocal modificar. Segundo ela, quando canta atinge um local não trabalhado anteriormente, e sua pouca experiência com as ressonâncias conseqüentes dessa mudança a faz sentir como se houvesse "muito ar e areia" na emissão.
Se ela está preocupada com isso? "Eu poderia lançar mão da embocadura de meus outros discos para cantar, só que eu agora descobri uma área de emissão com que eu quero trabalhar. E minha experiência nesse sentido me diz que com esse trabalho, a sensação de estranhamento passa".
Pessoalmente, apenas recentemente consegui perceber mudanças significativas na voz e no corpo (pois é, o trabalho é longo e árduo). Vinha de uma experiência de outros três anos com o canto coral e suas características inerentes de rigidez e precisão ferrenhas. Tive alguma dificuldade em adaptar-me ao canto popular. Inicialmente sentia-me forçando muito os graves e subutilizando os agudos, sem contar que tinha uma potência quase descontrolada. Tive que recuar para encaixar meu timbre com o dos demais integrantes.
Nesse lapso de tempo, sinto ter momentaneamente perdido extensão. Alguns graves, que poderiam me garantir como um pseudobaixo no canto erudito, estão impraticáveis. Por outro lado, ganhei qualidade na emissão de agudos. Possuo maior controle de volume e já consigo cantar sem sobrecarregar a região da garganta (acreditem, a voz de cabeça pode libertar). Entretanto, cantar notas graves e garantir a potência que eu tinha (alguém conhece viagra vocal?) está obstado, esperando pacientemente por algum ajuste corporal. Se eu ligo? Copio a cantora e dou de ombros - desde que a movimentação parta das clavículas, articulação proximal, assim desonerando o trapézio, como bem apregoou a biomante Ziviani.
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