Chorume

By Leo Peifer on 2/13/2008 12:39:00 PM
Sabe? A vida às vezes cheira à merda. Aquele azedume na boca, arremedando o da alma. Uma esdrúxula competição de quem fulge menos centelhas. Sabe como é?

Mas hoje acordei com vontade de cantar. Um entoar choroso. Quer saber meu mais ponderoso pecado? Em geral, trancafio no porão a minha alma. Malditamente, às vezes ela se solta, como por quebranto (indulto de Deus?), e só faz prantear. Água ou sangue, conforme do momento a densidade.

Antes de proceder ao veredicto, não se engane. Não está reclusa à minha revelia. Cerceada se encontra porque proporcional e inversa ventura me representa. Estivesse ela no comando, talvez eu já tivesse retornado à duna terrosa da criação.

Alma às vezes é um insulto à vida que habitamos. É ela esse quasímodo que me compele ao soluço durante a lamúria que, ora!, ela mesma incitou. É ela quem blefa quando diz que música é meu magneto, ou que sei tão-somente conversar por escrito. Cantar, assim, é um pedido de resgate impossível. Não o amortizo. Liquide-se, portanto, o refém.

Ah, Deus! Minha vida de plácida e reta senda de volta! O regresso do meu sonso turvo olhar sobre a pátina dos móveis, os alpendres dos imóveis e a uniforme inércia sobre as pessoas! A alma e seus predicados foram o legado do embuste de Pandora. Não cabendo neste meu recipiente, clamo presto e árduo exorcismo.

Cá me encontro mergulhado numa fórmula sem solução. Hoje é o meio de uma semana sem realizações e, para o vindouro, nulidade de perspectivas. Ando iludido entre as inverossimilhanças legais e isso não é tudo. Estou arrebatado de alma. É que ela pulsa, é que ela roga tão sofrido, que quase me compadeço. Mas não me dispo, amigos, de nossa pós-moderna humanidade. Não posso o que sou, quero o que somos. Mas, sabe disso tudo? Sente um fragor putrefeito no ar? Sente um azedume lábios adentro? São os frutos infecundados da maldita alma. Ignoremo-la e permaneçamos assim trotando, bem contemporâneos.

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