No local em que trabalho, ganhamos muito mal por aquilo que fazemos. Ademais, quando tentamos ser diligentes para cumprir nossa função, tem um punhado de seres, fatores e hierarquias decadentes obstando o sucesso dos projetos.

Não raro, tenho sido destacado para fotografar, entrevistar e acompanhar, fora do horário de trabalho, as aventuras da detentora-mor do poder em eventos em que ela representa a instituição. De tanto acontecer na vida real, virou fatalmente enredo de sonho.

Em um amplo salão, a figura recebia os convidados de sua festa de aniversário, que lhe presenteavam com caríssimos mimos importados ao falso som de "não precisava". Precisava sim, e muito, e melhor. Enquanto isso, eu era o fotógrafo oficial daquela chatice narcisista (o que, acho, não está longe de ocorrer de fato).

Somente na metade do insulto onírico, percebi que o aniversário era compartilhado. Havia uma moça loira, linda, escondida atrás da avalanche de presentes (que não eram dela). Quando lancei na sua direção o meu olhar, a detentora-mor ordenou que tirasse fotos da reclusa também.

Enquanto tentava fotografá-la, a moça corria, fugia desesperada. Só então percebi que, embora fosse muito bonita, encontrava-se muito abatida e acuada. Por mais que eu me esforçasse em alcançá-la, mais ela se agitava no sentido oposto. Pediu finalmente por socorro. Ninguém se movia para libertá-la do flagelo que eu me tornara.

Acordei sobressaltado. Eram três da manhã e não havia Morfeu que me convencesse a retornar ao estado da temporária morte em que me encontrava.

Foi libertador descobrir que eu era o carrasco daquela moça. Ainda mais após a epifania de descobrir que ela era parte de mim e que atendia por minha consciência, minha missão, minha inspiração... Enfim, o nome de algo que mora dentro e quer ser uno com o que mora fora, este ser que a persegue, que não a compreende, que a quer eliminar...