Tuíte isso

By Orósio Dias on 3/26/2010 08:48:00 PM
Ler textos grandes é uma merda. Não gosto de ler, fico cansado quando leio - isso quando tenho mesmo coragem suficiente para exceder a pregu

O trecho acima foi composto observando-se um limite de cento e quarenta caracteres. Com o exemplo em mente, pretendo dar início a uma série de suposições (e suposições, apenas - qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência) sobre a realidade cotidiana do mais evoluído dos seres conhecidos da Terra: o homo sapiens do século XXI.
Enquanto os geneticistas e antropólogos discutem a estagnação ou não da evolução da espécie humana e o nosso personagem querido decide se parte para uma jornada sem retorno ao pós-humanismo, ou ao transumanismo (o mais provável, pode estar acontecendo com você nesse momento), pausemos o filme embarquemos em uma breve digressão.

Iniciamos com um sujeito desengonçado, peludo, que se fartou de ser quadrúpede e resolveu que andar sobre duas pernas faria mais sucesso com as fêmeas de sua espécie. O que nosso bem intencionado ancestral não suspeitava era de que esse aparentemente simples movimento lhe causaria uma profunda reorganização do físico. As mãos tornaram-se repentinamente livres, aptas às diversas funções que as foram dadas (digitar, inclusive) e a espinha passou a apoiar o cérebro com mais eficácia, permitindo seu desenvolvimento. A reestruturação que se deu acima do pescoço possibilitou o aprimoramento das expressões faciais, tornando a criatura um ser mais expressivo. Note que todas as transformações descritas contribuem concomitantemente para um fator de suma importância no itinerário da evolução, a saber, a comunicação.
Através das etapas evolutivas seguintes, a partir desse momento inicial, a linguagem vai se desenvolver de forma surpreendente, contribuindo grandemente com a capacidade de abstração (as duas se promovem mutuamente), uma das principais características do homo sapiens, permitindo troca de informações e sabedorias, influenciando na criação de alteridades, e agregando ou segregando interesses e nações. Paralelamente, o imaginário humano vai tomando maiores proporções, as artes em suas formas embrionárias florescem e também se desenvolvem – e o que é chamado de literatura oral, entre elas. Fazendo uma rápida escala por volta de 3500 a.C., podemos ver a escrita cuneiforme e a hieroglífica sendo desenvolvidas pelos sumérios e egípcios, respectivamente, grafadas em barro com estiletes feitos de cana. A escrita então viajaria o tempo e o espaço, levada pelos babilônicos, acadianos, assírios, hebreus e gregos, aqui, como exemplo, omitindo obviamente extremo asiático da história. Em meio ao progresso que essa nova habilidade trouxe, temos a ampliação da possibilidade de acúmulo, uma vez que a escrita podia dar conta de registros, além de permitir comparações e propagação de conhecimento. Há que se observar, porém, que a minoria era letrada. Os manuscritos e os livros (a princípio, inexistentes) eram raros, e os que havia restavam concentrados em pontos específicos, como a biblioteca de Alexandria (III a.C., imagino), ou em poder de instituições, como fez a Igreja desde seus primórdios até... Bem, há lendas de que o Vaticano guarda exemplares secretos, tidos como mitológicos através da história, como a segunda parte da poética Aristotélica, concernindo à comédia. Esses textos que existiam eram escritos à mão e de acesso restrito, compostos em línguas antigas e traduzidos para o latim e grego, forma em que seriam conservados através dos séculos.

Eis que surge Johannes Gutemberg. Traduções de textos fundamentais ainda não eram tão comuns, em línguas não canônicas, por assim dizer, ou línguas derivadas das saxônicas ou das românicas, mas a disseminação ainda era manual, portanto, lenta. Feito a segunda vinda de Prometeu (ou terceira, dependendo do ponto de vista), a invenção de Gutemberg alargou as vias de comunicação e deflagrou escritos Europa afora, estimulando o que viria a se tornar a Renascença. Como podemos depreender do nome, a partir dessa época a distância dos acessos a textos encurtou gritantemente em relação ao período anterior, apesar de que a alfabetização permanecia ainda rara e valiosa. A redação e troca de textos na Idade Moderna se tornou cada vez mais comum, e a comunicação através da escrita, ainda que não idealmente democrática, atingia um ponto de onde não havia mais regresso, por volta dos anos do Iluminismo. É chegada a Idade Contemporânea, essa mesmo, que experimentamos agora, e que nos trás a grande revolução dos meios de comunicação. O telégrafo, o telefone, o rádio e os diversos dispositivos de música, os dispositivos de vídeo e a TV, o fax, o pager, o computador, o celular. Agora você se sente em um ambiente familiar, mesmo estando no mesmo parágrafo que Gutemberg.

Tudo isso porque o sujeito desajeitado não se conformou em ser quadrúpede. E enfim a versão 4.0 de Prometeu se apresentaria: a internet, em toda sua glória, avatar da globalização. Ao longo do século XX, as poucas amarras que ainda restavam ao acesso à informação começaram a se desfazer, desigualmente ao redor do mundo, possibilitando maior poder de criação e interação na era dos ãos – da informação, propriamente dita. Com inúmeras páginas criadas no ciberespaço, os neófitos ciberastronautas foram amadurecendo a si e ao espaço, criando milhões de blogs, entre os quais, esse que você visita. Assim como o nosso universo, o ciberespaço continua se expandindo, gerando a cada dia uma infinidade de novos textos, informações cuja totalidade é impossível apreender.

Curiosamente, porém, os leitores, agora massiva maioria, parecem apresentar resistência à leitura. Textos grandes são cabulados sumariamente, evitados, amaldiçoados e esconjurados. Irônico, porém lógico, que a sociedade da informação tenha como ferramenta de comunicação que a represente (e, talvez, a mais influente dos tempos recentes) um microblog convenientemente rápido e prático, de acordo com os tempos modernos, limitado a cento e quarenta caracteres – número base de caracteres de mensagens SMS (short message service, ou serviço de mensagens curtas). Informações a conta-gotas, assim como os relacionamentos modernos, muitos em quantidade e frequência, mas raros em profundidade. É interessante saber muito sobre algo, mas não há tempo para nada além de uma comunicação curta e pontual. Assim a música foi formatada nas rádios (inicialmente, com cerca de cinco minutos, hoje com cerca de três e meio ou quatro), a arte pop quase se torna pílula, o cinema ainda resiste, e a literatura... Eu me pergunto: nesse universo de cento e quarenta caracteres, há lugar para um Proust? E se você não sabe quem é Proust, eu nem vou me dar o trabalho.

A informação corre o risco de se tornar, ela também, fast-food – sabemos, nada saudável. Creio, porém, que, assim como toda sociedade tem o governante que merece, toda sociedade tem a comunicação e a cultura que, muito além do que merecer, ela mesma produz. Por tanto, caro e bravo leitor, se você chegou até aqui nesse texto, tido como grande para os padrões modernos, considere-se brilhante, durma tranquilo sabendo que, no fundo, você pode estar ensaiando um passo à frente da evolução da comunicação – um Homem que pode ir além do mero sapiens, que pode estar apto a não só saber, mas também compreender e gerenciar informação de qualquer espécie. E, se for do seu interesse testar o poder das tecnologias recentes de comunicação, sinta-se à vontade, tuíte esse texto e dissemine a reflexão.

[Ah, e antes que você tente o suicídio ou vá protestar na frente de um instituto de antropologia, lembre-se que a teoria é de que a espécie evolui e se adapta de acordo com suas necessidades/possibilidades, e não necessariamente pela precisão de copular, apesar de, atualmente, essa parecer o impulso maior da evolução do homo sapiens moderno (ainda assim, a história sugere que, mesmo sendo desajeitado, peludo e feio como um macaco, nosso ancestral bípede teve provavelmente mais sucesso em se reproduzir do que você – no caso de você ser o Romário, Roberto Carlos ou o Pelé, desconsidere esse parêntese).]

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1 Response to 'Tuíte isso'

  1. Anônimo
    http://rosadosventosbh.blogspot.com/2010/03/tuite-isso.html?showComment=1270844158785#c4068652240361549240'> 09 abril, 2010 17:15

    “Nem sequer é para mim uma tentação de neófito. Os tais 140 caracteres refletem algo que já conhecíamos: a tendência para o monossílabo como forma de comunicação. De degrau em degrau, vamos descendo até o grunhido".

    José Saramago