De com posto

By Iki Goulart on 4/02/2010 09:14:00 PM
Olhos feitos de gotas, pretas, sabor nanquim. Observo e me vejo em branco, superfície, lisura, vazio. Sou olhos. Sou até que outro me complete com seu olhar, pintando com a pupila pincel o cinza fraco do meu braço esquerdo, longe de mim. Daí extraio o movimento de realizar de uma vez o reflexo do esquerdo: flutuo. Massa de tinta, borrão, agente magenta, quero ver as pernas e desenho uma flauta, risco prata, pincel de som. Pingo curtas, mínimas, semínimas gotas. Sapateio, logo o chão se faz tersis. Não falta o solo, falta a rima. E é a métrica que me monta, que me mesura, aprofunda em mim o redor e aprofunda o redor em mim – o mundo vira janela, por onde vejo os que me vêem. Termina o verso, desde o começo, branco. A rima, ainda que pobre, dissoa, distoa da toada que me compõe, e escorre numa linha de fuga – não costuro perspectivas. Ouço o redor: me vejo inserido, me vejo recorte. Quero chegar, quero ascender e subo em terças, salto em quintas, do sol la mi nas grades que me prendem. Recolho la mi nas palhetas do meu sopro de cor, cor de corte, e com elas talho, em mármore ou pedra sabão, a rima que escapa, e a emolduro em meus limites.

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